Uma flor nasce no Freitas Nobre


Você nasce numa sociedade que diz que o mundo é assim porque sempre o foi e o condena a continuar assim sendo. Você nasce num país em que política é piada, motivo de desgosto ou , no máximo, tratada com indiferença. Você entra numa escola com uma hierarquia que te impede de fazer qualquer outra coisa que não seja sentar na cadeira, anotar falas do professor, decorar fórmulas e estudar para provas. Você faz cursinho e vive meses de uma pressão infernal, engolindo o que não aprendeu em uma década de estudos e vendo outras pessoas que vivem o mesmo sufoco que você como “concorrentes”.

Aí você pensa que, ao entrar na Universidade, as coisas vão mudar radicalmente. Que a Universidade é lugar de emancipação intelectual, de criação, de liberdade e aprendizado. Mas encontra alguns percalços. Ou, como dizia o mineiro de Itabira, uma pedra no caminho. Aliás, uma não. Várias.

Após alguns meses na aclamada-toda-poderosa Universidade de São Paulo, sinto que a nota de corte e ao concorrência foi, das dificuldades, a menor. Sim, acredite. Curso problemático, por vezes desatualizado com pitadas de superficialidade. Falta de compromisso de professores e também de alunos. O ânimo e o furor de calouro evaporam. Alguns (muitos?) se perguntam logo nos primeiros meses se fizeram uma escolha acertada.

Isso sem falar numa coisinha irritante chamada “burocracia”. Max Weber, para quem burocracia é uma estrutura organizativa impessoal e racional criada para garantir a eficácia de uma administração, deve remoer-se no túmulo toda vez que “burocracia” é citada com tanto desgosto nas ruas e salinhas da Cidade Universitária. Pois elaé criadora de dificuldades: obter informações (calouros que o digam),  assinar papéis e falar com diretores são algumas delas.

No país do “jeitinho”, os alunos até se indignam, mas vão deixando os incômodos de lado. “Ah, todo curso tem problema”. Verdade. “Todo mundo vai ter uma matéria que não gosta”. FATO. “Em todo lugar tem professores (E ALUNOS) coxas”. Como negar? Mas reconhecer essas verdades não pode deixar-nos passivos diante das anormalidades que vivemos no nosso curso – a ponto de transformarmos o que deveria ser exceção em regra.

Depois de um ano de reuniões quase vazias para rediscussão da grade curricular, de reclamações e de muita indignação que costumam morrer nas cervejas das quintas-feiras e nos gramados da prainha, não consigo descrever a sensação de ver o Freitas Nobre minimamente cheio. De calouros e também de (quase-totalmente-desiludidos) veteranos. De ver pessoas expondo seus problemas, suas angústias, suas decepções. E, ao ouvirem relatos de outros, rirem ao constatar “na minha sala aconteceu a mesma coisa”.

Não importa em que ano e período você esteja. A cada ano, uma sala é eleita A PIOR DA HISTÓRIA DO CJE. Toda vez que insatisfações surgem, há professores repetindo o mote “é a primeira vez que reclamam da minha aula”. A cada reunião conselhos departamentais, “fazer uma monção de apoio é o máximo que podemos fazer” é frase pronta. A sala sempre escolheu o modo errado de agir – seja elaborando cartas ou trancanso a disciplina. Alunos cansados e desestimulados somados a professores tampouco estimulados são elementos de união perigosa que pode catalisar a síntese de um veneno: falta de compromisso e de seriedade.

Poderia gastar uma infinidade de caracteres (e olha que eu sou boa nisso) explicando por que meus olhos chegaram a marejar em alguns momentos da reunião. E por que, no fim da assembléia, eu levantei para tirar a foto abaixo. Mas acho que as 69 pessoas que estiveram presentes (total ou parcialmente) sabem do que estou falando. Em meio a tanta desilusão, desanimo e descrença (no curso, no departamento, na profissão e, quem sabe, no nosso país), alunos se reuniram para conversar. Num mundo cada vez mais individualista e conectado, pessoas abandonaram tarefas e compromissos para ouvir, falar, debater. Ouvir o relato de colegas que, talvez, estivessem também angustiados pelo fato de se deslocar até o extremo Oeste da cidade, todo dia, para, assistir a uma aula que, muitas vezes, não faz o menor sentido. Por ter aula com um professor que, por melhor pesquisador, não sabe partilhar o seu rico conhecimento com a sala. Por ter estudado para passar no vestibular e, no fim, não se orgulhar tanto quanto poderia por vestir a camiseta da ECA (e da USP).

Para as 69 pessoas que gastaram alguns minutos da sua semana vendo que as falhas do nosso curso, infelizmente, ultrapassam anos e rompem as paredes de cada sala, deixo uma mescla de agradecimento e parabéns. Por romper com a lógica medíocre do “reclama-mas-não-faz-nada”. Por abdicar de fazer algo para si e buscar, ainda que por mera curiosidade, saber o que se passa com colegas na sala ao lado. Por transformar a insatisfação e a decepção em força capaz de unir os alunos e fazer alguma coisa (finalmente) mudar. E de fato.

Há quem diga que coisas assim já foram feitas, que 69 pessoas é muito pouco, que o movimento anima no começo, mas morre, pouco tempo depois. Mas, em tempos de em que reina a tal “desmobilização”, a assembléia de hoje foi um passo ENORME – pelo menos para mim, que fui em reuniões com a diretoria, encontros sobre a reforma da grade curricular e debates sobre a necessidade do diploma de jornalismo.

Torço para que seja o primeiro de outros muitos e contínuos. Para construir um curso melhor, uma Universidade mais ciente de seu papel. E, quem sabe, um jornalismo que, além de criticar todos e reclamar de tudo, consiga propor. E agir.

Não deixemos isso morrer.

“Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
garanto que uma flor nasceu.

[…]

É feia. Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Revoltados, insatisfeitos, decepcionados e mundrungos do CJE: UNI-VOS

2 Respostas para “Uma flor nasce no Freitas Nobre

  1. Mariana 8 de outubro de 2011 às 11:21

    Que bom! Eu fui uma jornot desiludida, sei muito bem de tudo que você fala aí e sou muito feliz hoje por, contra a opinião de todos os parentes, sair do curso. Na FFLCH, é claro que temos problemas também (físicos, nem se fala) mas os problemas com professores e disciplinas são, como você disse, exceções, não regra.
    De qualquer forma, alegra-me saber que o curso, que as novas gerações de jornots e mats estão se mobilizando e não apenas caindo no conformismo resignado no qual vi muitos de meus amigos caírem. Jors desse mundo, façam alguma coisa: mudem de curso, enfrentem toda a burocracia universitária para mudar seu pró´rio curso, mudem-se a si mesmos, mas não, não caiam no conformismo resignado, desanimado e triste. Vocês tem uma super capacidade! Não deixem que esse curso de m&*% acabem com ela!
    Beijos

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