Uma reflexão sem a pretensão de ser uma verdade absoluta


O que eu penso sobre o confronto com a PM na Cidade Universitária como estudante da USP, moradora de SP  e cidadã

Sou a favor da segurança no Campus;  mas sou contra a presença ostensiva da PM

Sou a favor do direito à manifestação livre;  mas não sou a favor da agressividade utilizada por ambos os lados (com pesos diferentes)

Sou a favor do diálogo no ambiente universitário; mas não sou a favor do quebra-quebra e pancadaria gratuita.

Agora vamos por partes.

O confronto entre estudantes da FFLCH e a Polícia Militar, na última quinta-feira (27/10),  foi a explosão de uma tensão que perdura há algum tempo. Mais especificamente desde a última presença da PM no Campus, em 2009, e de todo o histórico da Ditadura Militar.

O fato de três estudantes estarem fumando maconha, cena recorrente não apenas na USP, mas em qualquer cenário universitário, não seria álibi suficiente para as proporções que a repercussão tomou. Até porque, como um professor pontuou o consumo e porte pessoal de droga não é passível de pena.

A violência usada por ambos os lados mostra tanto a ineficiência da PM em lidar com a manifestação estudantil e garantir a segurança da Universidade como a insatisfação de muitos estudantes com a sua presença.

Desde que a PM e a Reitoria assinaram o convênio que permitia a sua entrada, eu não me sinto mais segura andando por ruas escuras e mal pavimentadas, passando pelos bancos à noite, estacionando o meu carro no cepe. Me sinto acuada quando sou obrigada a perfilar-me para passar por uma checagem, com polícias empunhando armas, olhando para dentro da minha janela, após a aula.

No dia seguinte ao confronto, li textos em que chamavam os alunos da FFLCH de “bandidos disfarçados de estudantes”ou “massa de manobra dos narcotraficantes”. Isso mostra no mínimo um enorme preconceito, considerando que lá é um dos ambientes mais críticos, politicamente conscientes e que estimula o debate (óbvio que também não é perfeito), tendo abrigado grandes pensadores do Brasil, além de que exclui a hipótese de que alunos da Medicina, Politécnica, ECA  e QUALQUER OUTRA não consumam drogas (é só ir a qualquer festa para que isso seja comprovado falso). O mesmo texto que os acusou de “bandidos”, afirmou também que sua manifestação era infundada, pois não se vivia mais no período da ditadura e que, portanto estariam lutando contra a democracia.

Claramente, vivemos em um regime democrático, mas nossas instituições, principalmente a Polícia,estão longe de serem consideradas exemplos de ética, transparência e participação democrática. Basta ler no jornal sobre a corrupção enraizada na Polícia, as milícias internas que se sustentam do narcotráfico, crime o qual pretendem combater, o abuso policial que já cometeu milhares de assassinatos nunca investigados no País. Se não quiser ler o jornal assista ao Tropa de Elite. Apesar do espetáculo, carrega uma verdade.

Acho estranho que, de repente, os policiais são heróis, paladinos da Justiça e guardadores da segurança ao prenderem três muleques com baseado. Quem acredita nisso vive um sonho teórico ou uma cegueira conveniente.

Acho estranho também que os mesmos que estão condenando os “maconheiros” e apoiando as “borrachadas” são aqueles que consomem bebidas nas festas da USP e depois dirigem portões a fora, isso sim que representa uma violência MUITO maior, calcada no mesmo esquema criminoso do narcotráfico, com a diferença de que esta é legal e enriquece as grandes empresas e não os traficantes do morro.

Claro que em uma sociedade ideal, a presença da polícia seria bem vinda para conter a violência dentro do Campus e arredores, na verdade a cidade inteira, mas considerando os conhecidos mecanismos de violência e repressão, não acredito que são bem vindos agora.

Hoje, não enxergo a PM como solução, apenas como a postergação de uma crise mais profunda, que requer muito mais investimento financeiro e intelectual por parte da universidade e da comunidade. A ideia do retorno da polícia ao Campus se tornou realidade depois do assassinato do estudante da FEA, porém mesmo antes ocorreram diversos outros crimes. Recentemente, já com a polícia vigiando o Campus,uma estudante que voltava para casa foi baleada na Av. Politécnica, fora da USP. A segurança deve ser apenas dentro dos muros? E para os vários estudantes que são do interior e que na grande maioria moram na região do P3, do Rio Pequeno e arredores? A  1m ou 4 km a violência foi na NOSSA PORTA!

A morte na FEA foi a alavanca para avalizar a entrada da polícia, sob o pretexto da violência, mas foi apenas uma forma de por panos quentes na real situação de insegurança.

Muitos já mencionaram a precariedade da iluminação, o abandono no período noturno, a ineficiência da Guarda Universitária. Está aí, ao meu ver, grande parte da solução.

Melhorar a iluminação já é um grande passo. Disponibilizar mais ônibus circulares para que os estudantes não tenham que esperar tanto tempo no ponto, melhorar a visibilidade, aparar as áreas com mato alto próximas às entradas de pedestres. Capacitar a Guarda Universitária, elevá-los para um status maior que um gnomo de jardim para resguardar o patrimônio público. Estabelecer uma comunicação eficiente com o batalhão que está na porta da USP, para que possam ser acionados rapidamente, se for necessário, pois sim eles existem para servir à população. Enfim, além destas existem outras coisas que podem ser levantadas para melhorar a segurança no Campus sem a necessidade da PM. Mas aí, vai demorar mais para a Globo parar de noticiar a violência e isto não pode.

Não sou muito chegada a políticas partidárias, nem vertentes esquerdistas ou direitistas. Acho que toda esta questão levantou um debate sobre políticas públicas e não políticas de partidos, como alguns jornalistas da Veja afirmam. Não acho também que seja apenas uma questão da liberalização das drogas, da incontinência da rebeldia dos jovens, da ocupação como forma de protesto, da radicalização da discussão e da autonomia da USP. Isso tudo perpassa o debate, mas são componentes de um problema maior, que é o do fechamento do diálogo da Reitoria com o estudantes na atual gestão, a insatisfação perante a violência da Polícia de forma geral, pela falta de participação no processo de decisão de sua entrada e pela ausência da compreensão dos estudantes das normas dentro do principio de autonomia da USP, que geram incoerências (Por que se pode fumar dentro de ambientes fechados ? )

Também não concordo com a atitude dos estudantes que utilizaram da situação para fazer valer o argumento contra a PM e protestarem de forma irracional e violenta, fazendo com que toda a reflexão já desenvolvida sobre o assunto se perca na opinião pública e na Universidade, por causa de uns “radicaloides de esquerda” e blablabla. Quando chegam com pedras na mão fazem com que ouçam apenas o barulho, mas não a mensagem que querem transmitir. Por fim, concordo com aqueles que endossam que o maior problema é a falta de comunicação em todas as instâncias.

2 Respostas para “Uma reflexão sem a pretensão de ser uma verdade absoluta

  1. Claudia Gelernter 8 de novembro de 2011 às 22:35

    Parabéns, Daniela! Seu texto mostra um outro lado da questão, renegado pelo senso comum, imperceptivel à maioria. Problemas sociais, normatizados pela prática equivocada de muitos.
    Na atualidade, as inversões são comuns e a pergunta que surge é:- Quem nos protege? Em seguida, podemos ainda perguntar: – Quem realmente nos ameaça?
    Podemos questionar Michel Foucault…
    Beijos e obrigada!

  2. Jé Morandi 2 de novembro de 2011 às 23:57

    Caramba Dani, me poupou o trabalho de organizar minha mente e colocá-la em palavras: disse praticamente tudo o eu penso a respeito, e de uma forma interessante, clara e que prende a atenção. Pelo menos esses conflitos todos servem pra gente ler textos ótimos assim (e textos totalmente descabidos também, o que é igualmente bom, porque daí a gente abre os olhos). =)

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